Os urubus sobrevoam a cadeia de Papuda

Os acontecimentos recentes estão a nos oferecer uma montanha de dúvidas em todo o sistema de vida brasileiro, isso envolvendo todos os aspectos de atividades, quer políticas, jurídicas, sociais e até humanas.
Refiro-me no momento a essa exacerbação de poderes, de atitudes pessoais em nome do estado, desdobramento de indícios em fatos consumados, em abuso de autoridade e uma generalizada maldade nos julgamentos prematuros, condenando e execrando como nas mais primitivas arenas medievais, em meio a orgia e a esbórnia moral.
Vejo pessoas tidas como esclarecidas, algumas com formação acadêmica e profissional voltadas para o direito, e ainda assim a esbanjar opiniões desqualificadas e estúpidas, nem sei se extravasando os seus sentimentos íntimos.
Mas o que me refiro agora, embora já venha demonstrando repúdio há muito tempo, enfoca as decisões arbitrárias das mais altas autoridades jurídicas, que se transformaram na palmatória moral, abandonando a lei que lhe está sob custódia legal, para condenar e punir, em nome de uma sociedade perversa e cruel, levada por falsos exemplos de ética e de honestidade.
E mais explicitamente ao processo do deputado Paulo Maluf, que embora tenha sido transformado num ícone de corrupção, igualmente negou as acusações, sofreu perseguição até porque, na euforia da conquista da primeira Copa do Mundo, em 1958, premiou os jogadores com automóveis promocionais. Seus processos duram décadas e as provas nunca foram convincentes, enquanto, por outro lado, o povo o elegia aos mais diversos cargos políticos, como de prefeito, governador, deputado, sempre com significativa votação.
Agora, com 86 anos de idade, é determinada a sua condução ao cumprimento de pena, num processo da década de 90, mesmo ainda tendo uma réstia de recurso a recorrer por sua irresignação. Mas os donos da pátria, abusando do arbítrio e com um poder que não sei como se obedece, se apossa da lei geral e faz a sua própria, auto-atribuindo-se conceitos morais de ímpeto pessoal e nada objetivo, para jogá-lo na cela mesmo com doenças comprovadas, crônicas e graves, numa atitude mais desumana que se possa conceber, para premiar-se com a borduna implacável de quem se gaba de fazer justiça.
O noticiário dá conta de que entre os dois primeiros dias do ano novo duas mortes aconteceram no presídio da Papuda, porque faltou atendimento médico e foi solicitado, em ambos os casos, o socorro externo de emergência.
Os poderosos nacionais que se locupletam da força do estado para seu exercício pessoal de poder, de maneira tão reprimível quanto os políticos que se locupletam dos recursos da nação, se consciência tiverem, de ofício podem revogar suas ordens malvadas, não só de Maluf mas de qualquer outro presidiário nas condições iguais, e reprimir a liberdade dos condenados, de forma humana e social aceitáveis, sem prejuízo das condenações que lhe forem impostas.

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PARADA CARDÍACA

Defesa de Maluf questiona atendimento médico da Papuda após mortes

Em menos de três dias, dois detentos morreram por parada cardíaca dentro do Centro de Detenção Provisória (CDP), do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Os ocorridos fizeram com que a defesa de Paulo Maluf, que está preso no presídio, questionasse a capacidade de atendimento médico no local.
"Afinal, onde estão os médicos de plantão? Onde está a estrutura médica especializada e o pronto atendimento? Todos nós sabemos da trágica situação dos presídios brasileiros. Uma população carcerária que é a terceira maior do mundo, com quase 800 mil presos, a maioria, como o que morreu no réveillon, de presos provisórios. Uma tragédia brasileira", diz em nota o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
Maluf, 86 anos, está preso desde o dia 20 de dezembro.Reprodução
Ao ser preso, os peritos do IML constataram que Maluf sofre de doenças graves e permanentes, mas consideraram que não geram limitações e que o deputado pode ser tratado no presídio. Já a defesa de Maluf afirma que pontos importantes não foram levados em conta. O fato mais grave ignorado, de acordo com os advogados, é a doença cardiovascular que o deputado sofre.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal garantiu que os detentos receberam atendimento médico e, mesmo assim, morreram dentro da unidade. O primeiro morreu na noite de domingo (31/12) e o outro na madrugada desta terça-feira (2/1). A Polícia Civil está investigando os casos e o resultado da perícia deve ficar pronta em 30 dias.
De acordo com a SSP-DF, o caso ocorrido no dia 31 foi atendido pelo Corpo de Bombeiros Militar. A viatura da corporação contava com equipamento de reanimação e equipe especializada. Todos os procedimentos de intervenção foram tomados, mas a vítima não resistiu à parada cardíaca. 
O interno estava preso desde 29 de setembro por tráfico de drogas e aguardava julgamento. Ele solicitou atendimento médico na unidade prisional no dia 29 de dezembro e se queixava de dores lombares. Após atendimento da equipe médica, recebeu medicação para cessar as dores e não solicitou mais atendimento. 
Já no caso ocorrido nesta terça-feira (2/1), o detento foi atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que fez o procedimento de reanimação, mas o interno não resistiu à parada cardíaca e morreu. Ele estava internado desde o dia 15 de dezembro, por embriaguez ao volante e já fora condenado anteriormente por porte ilegal de armas, e não solicitou atendimento médico desde sua chegada à unidade prisional.  
Leia a nota da defesa de Maluf:
A defesa do Dr. Paulo Maluf quer registrar, até para prevenir responsabilidades, a extrema apreensão com os últimos fatos ocorridos na Papuda. Em um espaço curtíssimo de tempo, cerca de 24 horas, dois detentos morreram dentro do sistema em virtude de ataque do coração. A informação que recebemos é que os primeiros socorros foram prestados por um detento que é médico, por falta de um médico de plantão no Centro de Detenção Provisório - CDP. E que, segundo a imprensa, faltou estrutura para o atendimento, inclusive, para o jovem de 22 anos.
O que causa perplexidade é que Maluf teve negado preliminarmente o pedido de prisão domiciliar porque a própria Papuda afirmou categoricamente ter condições de tratar um enfermo de 86 anos de idade. Afinal, onde estão os médicos de plantão? Onde está a estrutura médica especializada e o pronto atendimento? Todos nós sabemos da trágica situação dos presídios brasileiros. Uma população carcerária que é a terceira maior do mundo, com quase 800 mil presos, a maioria, como o que morreu no réveillon, de presos provisórios. Uma tragédia brasileira.
O Supremo recentemente condenou o Estado pelas condições miseráveis dos presídios, considerando o estado de coisas inconstitucional. Mas, logo em seguida, atendendo a um populismo criminal, resolveu afastar o princípio da presunção de inocência e determinou que a prisão se fizesse após a condenação em segundo grau, numa decisão que ofende a tradição da Suprema Corte e a tradição humanista do processo penal.
O caso do Dr. Paulo, por ter visibilidade, serve para uma reflexão. Estes dois mortos da Papuda provavelmente seriam só mais um número dentro de uma triste estatística. Talvez nem mereceriam registro de imprensa se não estivéssemos discutindo a prisão domiciliar do Dr. Paulo Maluf. Seria mais uma morte sem rosto, sem voz, sem nome, que faz parte do dia a dia deste flagelo que é o nosso sistema carcerário. Mas são brasileiros que têm família, têm amigos e deveriam ter direitos.
Repito que o fato do Dr. Paulo ter esta visibilidade serve, talvez, para chamar a atenção para este drama real. No caso dele a questão está posta: pode um cidadão já com 86 anos de idade, tendo problemas graves e reconhecidos hoje, inclusive, pelos médicos peritos do IML - além da cardiopatia, também um câncer de próstata e uma hérnia de disco em estágio grave, com limitação severa de mobilidade, permanecer no falido sistema carcerário?
O crime pelo qual foi condenado ocorreu há quase 20 anos e trata-se da suposta prática de crime sem violência. Justifica mantê-lo no cárcere que, todos sabemos, não reúne as condições ideais ou necessárias para garantir sua vida em um incidente grave? Que o caso do Dr. Paulo Maluf leve a uma reflexão que poderá servir para todos os presidiários nas mesmas condições. O Estado tem que ter a coragem de admitir sua falência. É mais digno e mais humano. A responsabilidade muitas vezes está em assumir a tragédia. A defesa está atenta e espera que o Estado assuma seu papel.    Kakay


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